Aborto de anencéfalos - Postado por Jairo Len

O STF vota hoje sobre a descriminalização do aborto de anencélalos.
Acho que cada um tem uma opinião formada sobre isso, mas quero colocar aqui o que penso sobre o assunto.
Gostaria de lembrar alguns dados que julgo muito importantes:
Em primeiro lugar, lembro que, no Brasil, abortar dá pena de um a quatro anos de cadeia (para a gestante) e até 10 anos (para quem ajudá-la a abortar - o médico, por exemplo). E também que são realizados, no nosso pais, cerca de 1,5 milhões de abortos ilegais ao ano. Nossa legislação só permite aborto de forma legal nos casos de risco de vida à mãe ou de estupro.
Ou seja: no Brasil se pratica o aborto. [Não sejamos hipócritas]
Em segundo lugar, quem tem tem dinheiro (nem precisa ser muito) faz aborto de forma adequada, quando deseja: em hospitais, com curetagem, anestesia, suporte.
No Brasil de "quem pode", faz-se aborto sem problemas. [Não sejamos hipócritas]
Vamos ao aborto de anencéfalos.
Acho que esta discussão é extremamente burocrática. A a maioria das pessoas com um pingo de sensibilidade acredita que fazer a mãe virar um "sarcófago ambulante" (palavras de uma mãe de anencéfalo*) é uma crueldade.
Eu penso da mesma forma. É obvio que não há nenhuma obrigação em convencer estas mães a realizarem o aborto, mas é evidente que esta decisão cabe exclusivamente à mãe - e nós médicos (e o governo) devemos dar todo o apoio logístico (físico, financeiro e psicológico) à estas gestantes caso optem por interromper a gravidez. O mesmo vale caso elas decidam por levar a gestação adiante.
Colocá-las na cadeia, nunca.

Todos sabemos - não vou citar aqui - quem é contra esta medida. Em geral estes grupos são nutridos por fervores religiosos, exclusivamente. Se perguntarmos a setores com maior capacidade de raciocínio dentro da nossa sociedade (como professores universitários, promotores, advogados, médicos, administradores, dentistas, etc...) a enorme maioria é favor da descriminalização do aborto em casos como este e outros, de doenças incompatíveis com a vida.
Pesquisa da Datafolha em São Paulo (de 2004) mostrou que 67% da população é a favor da descriminalização do aborto de anencéfalos.
E olha que esta questão da descriminalização é defendida por setores que nem sempre tem admiração por toda a sociedade, como feministas (inclusive dentro da Igreja Católica), confederações nacionais de trabalhadores, centrais sindicais (arrrrg) e assim por diante. Tenho certeza que a presidente Dilma (que não pode falar sobre este assunto) é a favor.

Lembro, como pediatra, que 99% dos anencéfalos morrem logo após nascer, minutos após. Se tiverem suporte ventilatório, podem sobreviver por um ou dois dias.
No Brasil tivemos um caso extremo, aonde a criança sobreviveu um ano e oito meses, um caso de anencefalia não-completa.

Para finalizar, copio aqui (reportagem da Folha, de Claudia Colucci) um pouco sobre a vida de Catia Correa*, 42 anos, que há 20 anos foi a primeira a conseguir autorização para abortar uma criança anencéfala. Não deixe de ler.
"No caso de Cátia, um ultrassom, feito no quinto mês de gravidez, identificou a malformação, além de deformações na coluna vertebral, nas pernas e nos braços do bebê.
"Sentia dores horríveis, a barriga ficou imensa por excesso de líquido amniótico", lembra. De família católica praticamente, ela conta que ficou entre "a cruz e a espada" quando decidiu que não levaria a gravidez adiante.
"Mas escolhi o que eu desejava para mim. Queria muito ser mãe, mas não manter um sofrimento inútil", diz.
Quatro anos depois, em um segundo casamento, ela engravidou novamente. Atenta a todas as precauções, tomou ácido fólico durante os três meses que antecederam a gestação e nos quatro meses seguintes.
Sem plano de saúde e vivendo numa cidade pequena do interior, só fez o ultrassom morfológico no oitavo mês de gestação. Resultado: outro bebê anencéfalo.
'Meu mundo caiu. Não saía mais de casa, não queria ver ninguém'. A criança nasceu de parto normal e morreu em seguida.
"Era horrível, uma cabeça muito pequena, cheia de ondas. Naquele dia, morri mais um pouco.
Cátia engravidou uma terceira vez, mas sofreu um aborto espontâneo. Hoje, vive com o marido e os quatro filhos que adotou --dois meninos de 9 e 10 anos e gêmeas de 4 anos.
"Faria tudo de novo. Falo pelas minhas próprias dores, pelas consequências que ficaram em mim. Até hoje não consigo ver bebê recém-nascido. Mulher que gera um filho anencéfalo não vai ser mãe. Negar o direito dela interromper essa gestação é obrigá-la a carregar um defunto na barriga.

Enfim, será que precisamos mesmo de tanta burocracia e hipocrisia?





Comentários

  1. Dr. Jairo entre nesse blog e conheçca a história da Vitória.
    http://amadavitoriadecristo.blogspot.com.br/

    Um caso raro, mas que prova o quanto não devemos nos precipitar nesses casos.

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  2. Concordo em gênero, número e grau com vc Jairo! E acho que a discussão crucial é o direito da mãe que já está passando por algo tão sofrido poder escolher! Se quem quer levar esta gravidez adiante, por que não dar o mesmo direito à mãe que não quer?? Parabéns mais uma vez pela coragem...

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  3. A decisão de aborto tem que ser da mãe.

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  4. Prezada Luana,
    Olhei o blog, realmente a história é incrível e comovente.
    O que acredito, simplesmente, é que cabe à mãe optar ou não pela interrupção da gestação. Não é questão de precipitação, indução, sugestão. E que a quem opte ter seu filho, todo o suporte e apoio devem ser dados, quando necessário. Além de questões filosóficas, como pediatra já vivenciei casos semelhantes (quanto a interromper ou não a gestação) e tenho minha opinião formada a partir destas vivências.
    Obrigado por seguir e comentar o Blog da Clínica Len de Pediatria!

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